Em 1979, o australiano Clem Renouf, presidente mundial do Rotary, estava voltando das Filipinas onde tinha ido tratar do financiamento das primeiras campanhas de vacinação contra a pólio naquele país, quando leu na revista de bordo a notícia que a varíola havia sido erradicada. Ele logo imaginou que o Rotary poderia ajudar a erradicar uma outra doença, com igual sucesso. Porém qual?
Assim que chegou à sede do Rotary, telefonou para o médico John Sever, então governador Distrital do Rotary de Washington DC. Sever também era chefe de Infectologia do NIH, Instituto Nacional da Saúde dos EUA, e amigo de Jonas Salk e Albert Sabin. Naturalmente, ele recomendou que a pólio fosse escolhida.
A oportunidade de combater a poliomielite em escala continental veio em 1983, quando o médico brasileiro Carlyle Guerra de Macedo assumiu a direção geral da Organização Panamericana da Saúde (OPAS). Macedo era um forte apoiador do Programa Expandido de Imunização da Organização Mundial da Saúde (OMS) idealizado pelo UNICEF, e convidou o médico gaúcho Ciro de Quadros para dirigir o Programa na região das Américas.
Quando Jim Grant, Diretor Geral do UNICEF, perguntou a Ciro como ele faria o programa preconizado pela OMS ser bem sucedido, Ciro sugeriu que se adotasse uma doença principal, que atraísse a atenção do público e apoio ao programa.
Para Ciro de Quadros e o Rotary, a pólio era a doença ideal para aquele objetivo. A iniciativa acabou resultando na participação do Rotary no lançamento, em 1985, do Programa de Eliminação da Pólio nas Américas da OPAS e, depois, da Iniciativa Global para a Erradicação da Pólio da OMS, em 1988.
Passados quase 40 anos daquela iniciativa nas Filipinas e 30 anos desde o lançamento do programa global, temos neste exato momento somente 8 casos da doença causados pelo vírus endógeno: 7 no Paquistão e 1 no Afeganistão, o que nos leva à inevitável pergunta: qual será o próximo desafio do Rotary depois da pólio?
Mário César Camargo, curador da Fundação Rotária e membro do Comitê de Planejamento Estratégico do Rotary, explicou na Revista Brasil Rotary que já foram definidos alguns critérios que o novo programa deve obedecer, caso ele venha existir. O programa deverá ter forte apelo aos clubes e aplicação global, permitir que Rotarianos de todo o mundo possam participar de forma significativa, e ter resultados mensuráveis, a exemplo do que ocorre no combate à pólio. Segundo ele, a preocupação não é nova. Em 2005, o Conselho Diretor do Rotary International já havia estabelecido que um novo programa global teria que ser único, temporal e finito.
Contudo, a adoção de um programa corporativo como o da pólio não é unânime. Muitos apontam a exaustão financeira e o esgotamento dos Rotarianos com a demora em se atingir o objetivo, e pregam o retorno à dedicação exclusiva aos programas no âmbito do clube e da comunidade, como era até 30 anos atrás.
Um movimento iniciado recentemente no Brasil é o da erradicação da Hepatite, através da detecção precoce da doença. Vários Rotary Clubs já abraçaram a causa, inclusive do nosso Distrito. Os médicos da Associação Brasileira dos Portadores de Hepatite (ABPH) acreditam que ela possa ser erradicada em um prazo de até 20 anos, e estão tentando levar a campanha para o nível mundial.
Todavia, de acordo com Antônio Hallage, diretor Internacional do Rotary 2009-11 e curador da Fundação 2011-15, que esteve recentemente em nossa Conferência Distrital em Itajaí, a direção do Rotary, apesar de não ter chegado a uma conclusão sobre o próximo desafio, já sabe o que ele não pode ser. Não pode ser uma doença, para não se perenizar no Rotary a imagem de organização global que tem na erradicação de doenças uma prioridade permanente, em detrimento de outras áreas definidas no Plano Visão de Futuro, quais sejam, Recursos Hídricos e Saneamento, Educação Básica, Desenvolvimento Econômico de Comunidades, Paz e Resolução de Conflitos.
Rotary Clubs de diversos países têm financiado, com o apoio da Fundação Rotária, projetos de recursos hídricos e saneamento em países menos desenvolvidos, promovendo assim o desenvolvimento comunitário e a saúde, mediante a construção de poços e canalização de água limpa, construção de banheiros comunitários e tratamento sanitário.
As áreas de enfoque ligadas à saúde são as que mais recursos recebem da Fundação Rotária, sem contar os recursos destinados à Pólio Plus. Apenas no ano passado, foram 35,4 milhões de dólares, seguidas de água e saneamento com 22,1 milhões de dólares, de um total de 99 milhões destinado ao programa de subsídios.
Da nossa parte, pensamos, que devemos sim ter um novo programa corporativo único em defesa de uma grande causa humanitária, gerando respeito da opinião pública global, sentimento de pertencimento dos Rotarianos, e a atração de novos associados.
Imaginamos que há um objetivo que se adotado corporativamente atenderia aos quesitos desejados e, além disso, é parte integrante da nossa missão. É a busca da paz através da ampliação do programa de Bolsas Rotary pela Paz, tornando-o o maior projeto do Rotary.
Há quem questione que se soubéssemos que a erradicação da pólio fosse durar tanto tempo e que o Rotary e seus parceiros iriam gastar mais de 1 bilhão de dólares por ano, como está acontecendo agora, o que teríamos feito de diferente? Possivelmente teríamos começado pelos países mais difíceis. Teríamos iniciado ações de construção da paz mais cedo, o que teria ajudado a evitar os ataques aos vacinadores e facilitado a aceitação das campanhas de imunização, reduzindo assim a duração e custo do programa.
A paz não decorre apenas da ausência de violência. Sociedades pacíficas resultam da adoção de condições de construção e manutenção da paz. As frentes são inúmeras, e será necessário um esforço sem precedentes entre países e organizações. E estamos preparados para isso.
Com sua missão de buscar a paz e compreensão entre os povos, e a dedicação de uma legião de 1,2 milhões de Rotarianos trabalhando juntos a serviço da humanidade em 220 países e regiões do mundo, é possível que não haja outra organização melhor habilitada a assumir alguns dos aspectos desse desafio como o Rotary. E por que não considerar também o aguardado sucesso na erradicação da pólio como credencial para objetivos ainda maiores?
Há mais de 10 anos, o Rotary criou o programa Centros Rotary pela Paz, que procura e qualifica renomadas Universidades para que bolsistas financiados pela Fundação Rotária sejam habilitados a lidar com questões de paz e resolução de conflitos.
Atualmente, são oferecidas 100 vagas por ano, distribuídas em Centros nos Estados Unidos, Japão, Inglaterra, Austrália, Suécia e Tailândia, e são gastos 5 milhões dólares por ano com o programa.
Se aumentássemos o número de bolsas para 1.000 e dobrássemos o número de Centros de ensino, ampliando os cursos de curta duração, teríamos um orçamento de 30 a 50 milhões de dólares. É menos do que despendemos no programa de erradicação da pólio (108 milhões de dólares no ano passado). Se usarmos o poder de advocacia de causa do Rotary mobilizando apoiadores na mesma proporção que na pólio, contaríamos com um orçamento 5 vezes maior, o suficiente para custear 5.000 bolsas de estudo por ano. Se o programa durar 30 anos, seriam 60.000 promotores da paz formados pelo Rotary, além dos mais de 1.000 alumini já existentes.
O objetivo pode ter forte apelo e aplicação global,e pode ser eleito como o nosso único programa corporativo; os resultados são mensuráveis (através dos indicadores do Institute for Economics and Peace), e Rotarianos de todo o mundo podem participar.
E quanto à necessidade do objetivo ser temporal e o programa ser finito? Excetuando-se algumas doenças contagiosas que podem ser erradicadas para sempre como a pólio, os demais males da humanidade podem ser no máximo reduzidos a um mínimo aceitável. Apesar do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1 das Nações Unidas ser a erradicação da pobreza, sua meta é acabar com a incidência de pessoas vivendo com menos de US$ 1,90 por dia. Podemos adotar o mesmo conceito para a erradicação da violência ou construção de sociedades mais pacíficas: metas ousadas porém atingíveis.
Através da diplomacia, cooperação internacional, ajuda externa, criação e aplicação de leis nacionais e internacionais, resolução de conflitos étnicos, religiosos, raciais, de gênero, melhor governança das empresas, melhor preparo dos governantes e educação dos jovens para um novo mundo, chegará um momento em que os esforços poderão ser reduzidos, e depois cessados.
Juízes, diplomatas, jornalistas, economistas, profissionais da saúde, assistentes humanitários, assistentes sociais, policiais, militares, educadores – todos trabalhando pela paz. Imagine o impacto que isso faria no mundo. Cinco mil profissionais formados a cada ano, de diferentes setores da sociedade, em inúmeros países, melhores preparados para resolverem conflitos e construírem uma sociedade mais pacífica – todos trabalhando pela paz. Parece um sonho, mas não é. A Fundação Rotária já foi iniciado um processo para qualificação de mais Universidades para a criação de novos Centros Rotary pela Paz em outros idiomas que não somente o inglês, inclusive no Brasil, para ampliar o número de bolsas de estudo de curta duração. Já estamos no caminho.
Wan Yu Chih
Presidente da Comissão Distrital da Fundação Rotária 2016-19